Na minha casa havia um pé de helicópteros.*
Que, de vez em vez, abria seus galhos de hangar e liberava suas pequenas capsulas aladas de hélices que pairavam no ar até pousar na areia e nas pedras quadradas de cimento que compunham o chão do meu jardim.
Na estação apropriada, vindo do outro lado do muro e do alto, inundavam o quintal de voos recém - ou há muito - terminados.
No pé de helicópteros, entretanto, nem sempre havia helicópteros.
Nem sempre era tempo de voar.
Numa terra sem estações definidas, o pé de helicópteros permanecia firme na sua resolução responsável, biologicamente programada, independente do tempo, do clima ou do paralelo.
Nem sempre era tempo de voar.
Mas o tempo de voar sempre chegava.
Havia tempos e tempos.
Havia tempos em que o pé de helicópteros estava cheio e repleto de folhas.
Verde e vistoso. Tempo de beleza exuberante, de sombra farta.
Mesmo que sem helicóptero algum para alçar voo.
Havia tempos em que o pé de helicópteros estava cheio de flores.
O verde vistoso, cedia lugar para o amarelo alaranjado que roubava a cena.
Um pé de helicópteros deslumbrante, mas ainda sem helicópteros para voar.
E havia tempo em que, no pé de helicópteros, era hora de voar.
E cada uma daquelas flores, secas, vindas pacientemente depois das folhas, abriam suas asas e, arrancadas pelo vento, faziam seu espetáculo giratório e cativante.
Do alto ao chão.
Espetáculo certo, e previsível.
Espetáculo curto, mas belo o suficiente para valer a pena.
E chegava o tempo em que o pé de helicópteros não tinha nada.
Nem folhas,
nem flores,
nem voos.
Só ele mesmo.
Vazio.
Mas ainda ele, com seu tronco firme, seus galhos fortes.
Árvore de grande porte e tronco largo.
Como se se firmasse em uma certeza inequívoca de que, no tempo certo, na estação seguinte, marcada em sua identidade mais profunda, os tempos de folhas, de flores e de helicópteros, viriam novamente.
E a menina profunda, que queria voar,
Maravilhava-se apenas com o espetáculo dos voos,
Pouco compreendendo a lição repetitiva do pé de helicópteros.
Pouco percebia a mudança dos tempos,
Pouco se dava conta do verde exuberante das folhas,
Pouco se surpreendia com o amarelo alaranjado das flores.
Mas, invariavelmente, se maravilhava com o voo dos helicópteros.
Festejava a temporada de voos livres
Dançava sobre a inundação de hélices
Tentava com seus pequenos dedos e grandes expectativas,
fazer aqueles pequenos helicópteros alçarem, agora a partir do chão, novos voos.
Desejando, frustradamente, que a temporada de voos durasse mais.
A menina profunda, que queria voar,
pouco percebia a verdade profunda
Que logo, mais velha,
Depois de alguns voos, precisaria aprender.
Que para o pé de helicópteros,
assim como para a vida,
há tempos e tempos.
Que cada tempo passa.
E que cada tempo volta novamente.
Que cada tempo é tempo necessário.
E que cada tempo é pressuposto para o tempo seguinte.
Que o tempo de reverdecer sempre aparece,
Que o tempo de florescer sempre vem,
Até que chegue o tempo de voar.
Que as temporadas de voos, embora curtas,
São sempre proveitosas.
Que quando o tempo de voar acaba,
não adianta forçar voos antinaturais,
contra a gravidade da realidade,
Mas nos basta viver e desfrutar de cada um dos outros tempos,
Belos e necessários para a próxima temporada de voos.
E que nos tempos em que não há nada,
Nem folhas,
nem flores,
nem voos,
Muita coisa permanece latente
abaixo da superfície e das aparências.
A Esperança certa de novos tempos
e novos voos que invariavelmente hão de vir.
Renata Veras.
*Crônica inspirada em uma menina real e um pé de helicóptero real - o Gonçalo Alves do meu quintal.
Na minha casa havia um pé de helicópteros.* Que, de vez em vez, abria seus galhos de hangar e liberava suas pequenas capsulas aladas de...